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quinta-feira, 5 de julho de 2012

"Olho por essa janela e a única
verdade, a verdade que eu não poderia dizer àquele homem,
abordando-o, sem que ele fugisse de mim, a única verdade é
que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é
demais. Lembro-me de um estudo cromático de Bach e perco
a inteligência. Ele é frio e puro como gelo, no entanto pode-se
dormir sobre ele. Perco a consciência, mas não importa,
encontro a maior serenidade na alucinação. É curioso como
não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso
dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento
em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o
que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo
menos o que me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu
digo. Sinto quem sou e a impressão está alojada na parte alta
do cérebro, nos lábios — na língua principalmente —, na
superfície dos braços e também correndo dentro, bem dentro
do meu corpo, mas onde, onde mesmo, eu não sei dizer. O
gosto é cinzento, um pouco avermelhado, nos pedaços velhos
um pouco azulado, e move-se como gelatina, vagarosamente.
Às vezes torna-se agudo e me fere, chocando-se comigo.
Muito bem, agora pensar em céu azul, por exemplo. Mas
sobretudo donde vem essa certeza de estar vivendo? Não, não
passo bem. Pois ninguém se faz essas perguntas e eu... Mas é
que basta silenciar para só enxergar, abaixo de todas as
realidades, a única irredutível, a da existência."
Clarice Lispector - Perto do Coração Selvagem

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